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A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA DOS DIREITOS HUMANOS DE JACQUES MARITAIN NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS


A influência da filosofia dos direitos humanos de Jacques Maritain nas Constituições brasileiras


Renato Rua de Almeida, presidente do Instituto Jacques Maritain do Brasil e professor de direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


A filosofia política dos direitos humanos de Jacques Maritain marcou profundamente toda uma geração de brasileiros nas mais diversas àreas da vida social.O Humanismo Integral editado em 1936, Os direitos do homem e a lei natural editado em 1942 e O Homem e o Estado editado em 1951 foram as principais obras de Jacques Maritain que mais influenciaram essa geração de brasileiros sob a liderança de Alceu de Amoroso Lima, que teve grande presença na vida cultural como um todo, destacando-se, entre outros, André Franco Montoro na vida política, Dom Cândido Padim na vida religiosa, Geraldo Pinheiro Machado na vida universitária, e Mário Carvalho de Jesus no mundo do trabalho e na vida sindical.Ademais, esses brasileiros sabiam que a filosofia dos direitos do homem de Jacques Maritain tinha como base a lei natural em suas verdadeiras conotações metafísicas a partir de um dinamismo realista e de uma relação com a natureza e a experiência, não sendo, portanto, uma justificação racionalista.Sabiam também esses intelectuais brasileiros que Jacques Maritain não concebia uma declaração dos direitos do homem exaustiva e definitiva, mas relacionada com o estado da consciência moral e da civilização de uma época dada da história.Essas premissas são desenvolvidas por Jacques Maritain em texto intitulado Sur la philosophie des droits de l´homme como resposta à Unesco em 1947, que fizera pesquisa entre intelectuais influentes da época sobre os problemas teóricos para a aprovação da futura Declaração Universal dos Direitos do Homem, o que ocorreria em 10 de dezembro de 1948 (cf. Oeuvres Complètes (Obras Completas) de Jacques e Raíssa Maritain, Volume IX, Éditions Universitaires Fribourg Suisse e Éditions Saint-Paul Paris, págs. 1081-1089).Ademais, essa filosofia dos direitos humanos de Jacques Maritain compreende uma sociedade de pessoas humanas livres com as características personalista, comunitária, pluralista e cristã (cf. Les droits de l´homme et la loi naturelle, in Oeuvres Complètes, Volume VII, págs. 619-691 ).Desta forma, os intelectuais brasileiros formados pela filosofia dos direitos humanos de Jacques Maritain participaram, cada qual no seu campo de atuação social, dos debates para a elaboração e aprovação de duas Constituições da República Federativa do Brasil, as de 1946 e 1988, de modo que essas Constituições pudessem ser influenciadas justamente pela filosofia dos direitos humanos de Jacques Maritain.As Constituições brasileiras de 1946 e 1988 revestem-se de interesse especial no exame em seus textos da influência da filosofia dos direitos humanos de Jacques Maritain porque foram aprovadas respectivamente após o fim de dois longos períodos da recente história política brasileira, em que os direitos humanos foram em boa medida marginalizados e mesmo sufocados.O primeiro período compreende os anos de 1937 a 1945, quando vigorou no Brasil o governo ditatorial de Getúlio Vargas, conhecido como Estado Novo e inspirado no regime corporativista italiano, com a outorga pelo Poder Executivo da Carta Constitucional de 1937, usurpando prerrogativa do Poder Legislativo, em que os direitos políticos mais elementares dos cidadãos, tais como o sufrágio universal, o direito de associação e a liberdade de expressão, foram praticamente suspensos.O segundo período compreende os anos de 1964 a 1985, quando vigorou no Brasil o regime militar, isto é, governos militares eleitos indiretamente por um Congresso Nacional sem legitimidade e representatividade políticas e que foram exercidos com forte controle político e social da sociedade.Portanto, em primeiro lugar, a Constituição brasileira de 1946, aprovada após o fim do Estado Novo, foi influenciada pela filosofia política dos direitos humanos de Jacques Maritain desenvolvida sobretudo em sua obra Os direitos do homem e a lei natural, na medida em que foram consagradas nos artigos 134 e 141 do texto constitucional brasileiro suas lições sobre direitos da cidadania e direitos e garantias individuais com prescrições específicas para que os direitos da pessoa cívica, tais como o sufrágio universal por excelência ao lado das igualdades políticas (por exemplo, a igualdade de todos perante a lei), o direito de associação e a liberdade de expressão, garantissem aos homens a condição de cidadão e o seu pleno exercício estivesse na raiz de uma verdadeira democracia política.O fim do período do Estado Novo brasileiro coincide com o fim dos regimes nazista e fascista respectivamente na Alemanha e na Itália, seguidos, como no Brasil, da restauração democrática, na certeza de que também se valeram da influência da filosofia de Jacques Maritain sobre direitos humanos em seus textos constitucionais.Já a Constituição brasileira de 1988, aprovada após o fim do período de governos militares eleitos por um Congresso Nacional sem legitimidade e representatividade políticas e que foram exercidos com intenso controle político e social da sociedade, foi ela também influenciada em seu texto constitucional pela filosofia política dos direitos humanos de Jacques Maritain desenvolvida em sua obra Os direitos do homem e a lei natural, não só em relação aos direitos políticos da cidadania, mas também e principalmente no que concerne ao exercício da liberdade sindical em relação ao Estado, isto é, a liberdade dos trabalhadores de constituírem e de se organizarem livremente em sindicato que os possa congregar e defender seus direitos, bem como do próprio sindicato de se organizar como preferir, sem a intervenção do Estado na sua unificação ou controle.A razão de se ressaltar a influência do pensamento filosófico de Jacques Maritain sobre direitos humanos na questão da liberdade sindical, quando da aprovação da Constituição brasileira de 1988, reside no fato de que o período dos governos militares, embora também fosse restritivo ao exercício dos direitos da pessoa cívica na vida política – ainda que em menor escala se comparado com o período do Estado Novo -, ele foi bastante restritivo em relação aos trabalhadores e aos seus sindicatos no exercício da liberdade sindical.O recrudescimento da repressão por parte dos governos militares ao exercício da liberdade sindical pelos trabalhadores deveu-se ao fato do crescimento industrial na região sudeste brasileira, onde se localiza o grande parque da indústria de São Paulo, que ensejou o surgimento de numerosa classe operária.Essa classe operária numerosa tomou consciência de sua força e passou a reivindicar maior participação na vida empresarial e social, sob a liderança do sindicalista metalúrgico Lula, que chegou posteriormente à presidência da República em dois mandatos consecutivos.Para tanto, os governos militares valeram-se do texto constitucional aprovado com a Carta Constitucional de 1937 e mantido na Constituição de 1946, no sentido de que os sindicatos exerciam funções delegadas do poder público, sendo, portanto, prerrogativa da autoridade pública a interferência e a intervenção na vida sindical, tirando-lhes toda autonomia que deveriam possuir em relação ao Estado, como expressão de um direito natural das comunidades autônomas que procedem da livre-iniciativa dos homens, conforme preconiza Jacques Maritain em sua obra O Homem e o Estado (cf. L´´Homme et l´État, in Obras Completas, Volume IX, págs. 481-736).Antes do advento da Constituição de 1988 e sob a inspiração da filosofia política de Jacques Maritain sobre direitos humanos no que respeita à liberdade sindical, foram formuladas duas denúncias contra o Ministério do Trabalho brasileiro perante a Organização Internacional do Trabalho, órgão da ONU, com fundamento na Convenção n. 87 de 1948 sobre liberdade sindical, em razão de intervenções administrativas nos Sindicato dos Trabalhadores da Perus em São Paulo e Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que resultaram em condenação do governo brasileiro no sentido de liberar os referidos Sindicatos dos processos de intervenção administrativa.Portanto, essas medidas tomadas em defesa da liberdade sindical, ao lado de uma progressiva tomada de consciência política da população brasileira, é que levaram a Assembleia Constituinte convocada para a aprovação da Constituição de 1988 a inserir no texto constitucional a autonomia sindical em relação ao Estado, ao prescrever no artigo 8º que a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, sendo vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical.É de se lembrar que o fim do período dos governos militares no Brasil coincidiu com o fim dos governos militares no Cone Sul, em especial na Argentina, Chile e Uruguai, quando todos alcançaram a redemocratização sob a inspiração, em seus textos constitucionais democráticos, da filosofia sobre direitos humanos de Jacques Maritain.O Brasil, no que concerne aos direitos da cidadania expressados pelo sufrágio universal, ainda carece de uma maior efetividade que será alcançada com um sistema eleitoral mais representativo para as eleições legislativas, na medida em que o atual sistema do voto proporcional for substituído pelo sistema do voto distrital misto, ensejando maior governabilidade.No tocante à uma maior efetividade da liberdade sindical, é preciso também que o Brasil substitua a atual forma constitucional da unicidade sindical pela forma da pluralidade sindical, pois, como preconiza Jacques Maritain, em sua obra o Homem e o Estado, o elemento pluralístico é inerente em toda a sociedade verdadeiramente democrática.Pode-se, pois, concluir que a filosofia sobre direitos humanos de Jacques Maritain teve influência fundamental na aprovação das Constituições de 1946 e 1988 do Brasil, a partir do testemunho de seus discípulos no debate e nas ações que empreenderam.

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