DR. ALCEU AMOROSO LIMA FILHO,
PRESIDENTE do INSTITUTO JACQUES MARITAIN DO BRASIL
no NÚCLEO do INSTITUTO na UNESP – FRANCA, SP, em 05/11/97
Boa noite a todos! Meus cumprimentos aos membros da mesa e gostaria de agradecer o convite que me foi formulado pelo Coordenador Científico do Núcleo, Dr. Carlos Aurélio Motta de Souza, para falar nesta oportunidade a comunidade acadêmica da UNESP – Franca.
Para ser coerente, não vejo outra postura moral de cidadão, no quadro do país hoje, do que uma postura de indignação, que leve a atitudes pessoais e grupais de ver a realidade, julgar as opções que se colocam e agir no sentido de, dentro das possibilidades e do alcance de cada cidadão, trabalhar no sentido de transformar a realidade, à luz da ética.
Não me refiro às coisas explicitas, claras, tais como a espantosa e vergonhosa concentração de renda no Brasil, ou à chocante miséria de uma parcela considerável da população, que entra pelos nossos olhos todos os dias, andando pelas ruas. Na verdade, essas são ameaças claras ao humanismo, cuja existência não resiste ao mínimo exame de qualquer pessoa, e por cuja mudança temos todos o dever de lutar. É preciso falar sobre elas e lutar para que acabem, mas por serem tão claras, são também fáceis de esgotar nossa indignação e aplacar nossa consciência…
Refiro-me às coisas escondidas, disfarçadas, que passam desapercebidas, e que, por isso mesmo, são mais difíceis de serem vistas, portanto complexas para julgar, e cuja análise e compreensão apresenta dificuldades para que as pessoas se sensibilizem, dificultando, portanto, qualquer ação conseqüente. São as ameaças escondidas, contra as quais poucos lutam; às vezes porque nos incomodam pessoalmente ou, no mínimo, porque afetam nossa confortável vidinha de todos os dias, mas que, se não forem resolvidas, o pais não vai andar!!!
Refiro-me à corrupção, ao corporativismo, ao nepotismo, ao clientelismo, vícios bem arraigados na nossa cultura, cuja prática vai fundo na ameaça ao humanismo, na concepção ética que Maritain, e nós seus seguidores, queremos propagar, divulgar e defender.
Tudo colocado debaixo do disfarce do chamado “jeitinho brasileiro”, que, a meu ver, fez muito mais mal a esse pais do que se possa imaginar!
Segundo o Aurélio, humanismo é a doutrina ou atitude que se situa expressamente numa perspectiva antropocentrica, assumindo com maior ou menor radicalismo as conseqüências daí decorrentes, e que se manifesta no domínio lógico e no domínio ético, sendo este último o que nos interessa. Aplica-se aquelas doutrinas que afirmam ser o homem o criador dos valores morais etc.
Vale ressaltar que, além de criador dos valores morais, é ao próprio homem e ao bem comum que se destina a prática desses valores morais e as ações e conseqüências daí decorrentes.
O “jeitinho brasileiro” é a pratica de ações que beneficiam poucos em detrimento da maioria!
É muito fácil ter posições paternalistas, humanitárias sim, porém no fundo pouco humanistas. Dar esmola na rua é humanitário, mas será que está presente um espírito humanista ou serve para confortar a consciência com alguns reais que não nos farão falta, e esquecer a substancia do problema?
A substância do problema é que a sociedade não proporcionou condições para que aquela pessoa, aquele ser humano, viesse a ter a oportunidade de conseguir uma vida digna, trabalhar e não precisar pedir esmola. O humanismo é ameaçado quando um ser humano tem que depender de outro para sua mínima subsistência!
Será espírito humanista defender os tão falados direitos adquiridos que na realidade são privilégiosadquiridos? Será espírito humanista defender privilégios adquiridos de aposentados funcionários públicos cujo ganho é sete vezes maior do que aposentados da empresa privada? Então não são seres humanos igualmente trabalhadores, igualmente merecedores do respeito da sociedade? Será espirito humanista que o arcabouço legal minimize a pena que a sociedade deve impor a alguns rapazes a beira da loucura que tocam fogo num índio que dormia na rua?
A substância do problema é que essa atitude não é admissível e que a estrutura legal deveria ser clara em não admitir atitudes desse tipo.
Sabemos que é legal que parlamentares pratiquem abertamente o nepotismo, empregando legiões de parentes (muitas vezes ausentes, incompetentes, ou ambos!), mas, será legítimo? Mormente se para tal prática utilizam-se de recursos que são da população? Vemos aqui uma vez mais o humanismo ameaçado, e isto na medida em que uns poucos se apropriam dos recursos que resultam do trabalho de todos, e muitas vezes nem mesmo retornam esse benefício em trabalho para a população em geral.
Ë legitimo que estudantes que podem pagar seus estudos universitários, estudem gratuitamente, usando os recursos de todos para o proveito de poucos, e mais ainda, eventualmente tirando oportunidades de estudantes sem recursos, que assim ficam à margem do processo, ao lhes ser negada oportunidade?
Ai está o disfarce: no que é legal… mas que não é legitimo; os que são beneficiados dormem tranqüilos com a lei…, os prejudicados não dormem, porque a lei, muitas vezes, esqueceu deles; privilegiou uns poucos em detrimento do bem comum.
E na mesma linha poderíamos citar muitos outros exemplos, todos aqui nesse ambiente poderão pensar em muitos outros exemplos, de ameaças, ou mesmo de agressões ao humanismo, no sentido ético, e como encontrar um caminho que, corrigindo esses desvios do comportamento ético, beneficie a coletividade, a população em geral, nossos irmãos seres humanos.
Só vejo um caminho, certamente não o mais fácil, mas, no meu modo de ver, o único que poderá surtir efeito, a médio e longo prazo: um caminho que passa pela transformação quase que completa da questão educacional, proporcionando uma reforma pessoal, isto é, cada um se aprofunda consigo mesmo, refletindo e mudando seu comportamento pessoal em relação a esses desvios éticos. Aliás, nos ensina o velho adágio popular que o todo é a soma das partes, como todos sabemos, lei científica que nunca será mudada!
No dia em que todos, e este número aumenta a cada dia, nos indignarmos ao ver, utilizarmos nossa consciência ética ao julgar e nos lançarmos numa ação de mudanças desses males endêmicos tão comuns em nosso pais, ai então a situação começará a mudar, a princípio lentamente, cada vez mais aceleradamente, e sempre ficará em continua mudança pois, como meu pai (Tristão de Athayde) dizia, o ser humano pode não ser confiável, e sempre vai inventar desvios egoístas e individualistas, que precisam ser combatidos para que o bem comum prevaleça.
Certamente serei chamado de ingênuo, inocente útil, ou qualificativos piores, mas tenho certeza que, se conseguir pelo menos que a maioria das pessoas ouçam e, quem sabe, concordem com essa necessidade de reforma pessoal, acho que já terei cumprido minha parte: o diagnóstico está feito!!!
A terapêutica é difícil? Sem dúvida, mas é uma tarefa que constantemente se coloca em nosso caminho, e que, cumprida, nos aproximará sempre mais do caminho ético e moral de que todos necessitamos e que todos desejamos para todos os homens e para o homem todo, nas palavras de Maritain e seus seguidores!
Quero, antes de terminar, uma vez mais cumprimentar a UNESP na pessoa do Professor Carlos Aurélio Motta de Souza e seus companheiros de trabalho, um dos primeiros núcleos do Instituto Jacques Maritain do Brasil a ser criado, e não só ser criado, mas dar conseqüência a suas intenções e propósitos, trabalhando com a comunidade universitária e com a comunidade política para o bem da população, através de projetos objetivos e concretos.
Vocês já começaram faz tempo essa tarefa de reforma pessoal de que falamos, e certamente seu exemplo, pequena semente no início, vai crescer e será ouvido cada vez mais, em beneficio dos nossos irmãos seres humanos!!
Muito obrigado.
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