Pe. Cesar Augusto dos Santos, jesuíta, atualmente trabalhando no Programa Brasileiro da Rádio Vaticano, em Roma, em novembro do ano passado escreveu à professora Maria Luiza Marcilio que, “para atender o Pe. Smyda enviasse uma solicitação de intelectuais e personalidades brasileiras pedindo para a canonização do Padre Anchieta, para fazer chegar às mãos do Santo Padre. O processo foi retomado e agora a Postulação Geral pediu-me para colaborar com eles. Estamos na fase de fazer a “Positio” para a canonização e precisamos da cópia eletrônica daquela petição, seria possível?” A professora Marcilio escreveu a seguinte recomendação que integra hoje o processo para a santificação de Anchieta. A Radio Vaticano acaba de informar que a cerimônia de canonização será feita, por decreto do Papa Francisco,no inicio do mês de abril.
Recomendação à canonização do Padre Jose de Anchieta,sj (*1534,Canarias-+1595,no Brasil)
Solicitaram-me a dar meu testemunho, para contribuir com a causa da santificação do grande missionário jesuíta.
Faço-a como Professora Titular de Historia da USP, promotora dos Direitos Humanos(Presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP:1997-2010) e atual Presidente do Instituto Jacques Maritain do Brasil.
Peço licença para pontuar algumas das excepcionais qualidades e ações do Padre Anchieta, que a meu ver distinguiram sua vida e sua obra:
1- Muito jovem, de ascendência judaica (em época de forte ação da Inquisição portuguesa contra os cristãos-novos), seus pais mandam-no estudar na Universidade de Coimbra, onde conheceu Padres da Companhia de Jesus. Entrou para a Ordem e com menos de 20 anos veio ao Brasil, ainda noviço, como missionário (1553).
2- O Brasil estava nos primeiros anos de colonização. Anchieta encontra uma Colônia com seu ecossistema inteiramente preservado e habitado por centenas de tribos indígenas, falando inúmeras línguas, inteiramente desconhecidas. Empolgado em sua missão de trazer almas para Cristo, Anchieta começa uma ação intensa na difícil de evangelização.
3- Em pouco tempo, e de forma admirável, o Padre Anchieta aprendeu e dominou a língua mais falada, o Tupi, meio necessário de comunicação com os indígenas. Para ter os índios perto e poder evangelizá-los atraiu muitos para aldeias, que outros padres, ia fundando. Logo escreveu a primeira Gramática da língua para facilitar a ação de seus companheiros jesuítas. A “Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil”, foi impressa em Coimbra, em 1595 e serviu de apoio, daí ara a frente, a todos os padres envolvidos na catequese dos índios.
4- A colonização do Brasil, ia se fazendo exclusivamente pelo litoral, forma de defesa e de ligação direta com Portugal. Anchieta decidiu, com outros Padres da Cia, transpor a barreira da Serra do Mar para encontrar os índios dispersos e trazê-los para a Fé cristã. A subida das íngremes escarpas e da densa floresta atlântica foi transposta e no Planalto de Piratininga fundou a primeira missão cristã, no interior das terras do Brasil. Em 1554, apenas um ano depois de ter chegado ao Brasil, Anchieta fundava uma rústica aldeia. No dia 25 de janeiro, dia de São Paulo—Apostolo dos gentios—os padres rezam a primeira Missa.Era a origem da cidade de São Paulo. Logo congregam alguns índios que recebem suas primeiras lições e aprendem as orações primordiais e os rudimentos de leitura e escrita. O Catecismo do Padre Inácio, sj é seu guia, que logo Anchieta o traduziu para o Tupi. Foi o meio eficaz de fazer penetrar os ensinamentos da doutrina e da moral cristãs pelas aldeias criadas pelos Padres no Brasil e até 1759.
5- De difícil comunicação e comercio com a Metrópole, não se conseguia nesse começo de estabelecimento em São Paulo, obter o pão de trigo, para a Hóstia consagrada. Os jesuítas tentaram a plantação de trigo no Planalto, sem resultado. Adotaram então o pão de mandioca, cuja fabricação ensinou aos indígenas de São Paulo, que serviria de complementação alimentar de melhor preservação que a raiz, e ao mesmo tempo, para a consagração e distribuição da Hóstia.
6- Com seu carisma e amor aos índios foi protagonista da criação de inúmeras aldeias indígenas pelo Planalto. Em São Paulo, venceu a hostilidade das tribos vizinhas e em seu intenso labor ia ensinando, particularmente às crianças, a leitura e as bases da Fé cristã. Batizou muitos, nessa palhoça tosca, origem do Colégio de Santo Inácio, que seria erguido, em 1631.
7- Enviado ao Rio de Janeiro, dirigiu o Colégio ai recém fundado por três anos (1570-1573) e devido sua liderança e valor, em 1577, foi nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil. Foi Reitor do Colégio do Espírito Santo. Faleceu em 1595, depois de uma vida dedicada a Deus e à Companhia e de intensos e difíceis trabalhos como gramático, poeta, teatrólogo, historiador, educador. Tudo para “Maior Gloria de Deus”.
São Paulo, 10 de novembro de 2013
Maria Luiza Marcilio
Professora Titular do Departamento de História – USP
Presidente do Instituto Jacques Maritain do Brasil
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