Ex-Governador de São Paulo
Membro do Conselho da República
Presidente do Conselho Consultivo do Parlamento Latino Americano
São Paulo, 30 de abril de 1998
Reúnem-se hoje a comunidade universitária, autoridades, lideranças e pessoas amigas para a solenidade de entrega a Chiara Lubich da ” Medalha de Honra ao Mérito”, da Universidade de São Paulo.
Em nome da Universidade e do Congresso Nacional, que representa todo o povo do Brasil, venho trazer a CHIARA LUBICH nossa palavra de homenagem, admiração e respeito.
Quando vemos o Movimento dos Focolares presente em 198 nações dos cinco continentes, com o apoio de milhões de pessoas em todo o mundo;
quando tomamos conhecimento das homenagens que lhe são prestadas por católicos e ortodoxos, por igrejas protestantes e sinagogas judaicas, por mesquitas muçulmanas e monges budistas;
Quando vemos os inúmeros títulos e condecorações que lhe são conferidos por Universidades de todos os continentes e, hoje, pela Universidade de São Paulo, que é a maior universidade do Brasil;
Quando vemos a UNESCO, que é a Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura, conferir-lhe o Prêmio de Educação para a Paz;
nós tomamos consciência de que estamos diante de um movimento de significação histórica.
SÉCULO DAS GUERRAS
Alguém previu que o século 20 seria o século das guerras. Realmente duas guerras mundiais marcaram este século que está terminando. Mas, a guerra não é apenas luta armada entre nações. Ela tem conseqüências sociais e culturais imprevisíveis.
A guerra de 1914 correspondeu ao fim de uma época histórica, marcada pela perspectiva otimista de que a ciência, a tecnologia e os progressos materiais iriam trazer felicidade ao mundo.
Mas, nas trincheiras de batalha enterrou-se a Belle Époque e ruíram as grandes esperanças do século 19, alimentada com as descobertas do automóvel, do telefone, do avião. A Exposição Mundial de Paris, em 1900, mostrava orgulhosamente ao mundo todas as conquistas do século 19 e foi o coroamento da época do otimismo burguês. O pensamento filosófico dominante era o positivismo de AUGUSTE COMTE, que reduzia toda a sabedoria humana à ciência positiva, físico-matemática. E pretendia ser o estado definitivo da humanidade.
Com a guerra, a ciência e a técnica passaram a produzir armamentos terríveis, metralhadoras, tanques, aviões de bombardeio. A euforia da Belle Époque se transformou em pesadelo. Milhares de jovens perderam a vida de forma estúpida. As novas gerações tomaram consciência da falência dos ideais do século 19 e ergueram-se em protesto. A manifestação artística dessa revolta eclodiu em plena guerra, em 1915, com o DADAISMO e outros protestos contra os valores da burguesia, do dinheiro, do progresso material e da moral de aparências. Surge, em seguida, em Paris o movimento SURREALISTA: o que a sociedade civilizada chama de realidade é apenas aparência. É preciso ver além das aparências e ir à realidade profunda das coisas. Dadaistas e surrealistas procuravam desmistificar uma sociedade que acreditava na ciência e no progresso, mas produzia destruição e tragédias. É nesse quadro histórico que surge A NÁUSEA, de SARTRE e as diferentes manifestações do EXISTENCIALISMO, com a consideração pessimista da tragédia existencial. “O SER E O NADA”. A guerra provocou um clima de negativismo, de desânimo e negação de valores.
Nesse clima prosperou a prepotência totalitária que deflagrou a segunda guerra mundial.
O desastre da segunda guerra e a experiência totalitária, com os horrores do nazismo e do estalinismo provocam não apenas uma reação negativa de protesto, mas, pela primeira vez na história, uma resposta afirmativa de valores éticos em escala mundial: a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Contra os céticos, os neutros e os negadores da significação objetiva da ética e da justiça, a Declaração Universal é a afirmação solene do valor que é o fundamento da vida social: ” a dignidade inerente a todos os membros da família humana”. As pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades concretas e vivas.
No campo do direito, essa tomada de consciência levou ao reconhecimento de que a força das leis e o poder dos governos têm limites marcados pelos valores éticos, que todo direito tem seu fundamento na justiça. Ao contrário das pretensões de formalismo e de positivismo jurídico, uma consideração do direito cega aos valores é inadmissível. Se o direito se reduzisse a um imperativo da força coercitiva da sociedade, os atentados à dignidade humana praticados nos campos de concentração seriam juridicamente inatacáveis.
No campo da ciência e da tecnologia, os horrores da guerra, as atrocidades nos campos de concentração e o surgimento da era atômica, com as tragédias de Hiroshima e Nagasaki, revelaram ao mundo um quadro dramático. Atônitos e desiludidos, os homens passaram a não acreditar que a ciência e a técnica possam garantir por si o progresso e a felicidade humana. O drama dos homens de ciência pode ser sintetizado na angustia de um cientista de gênio como EINSTEIN:
Nós, cientistas, cujo trágico destino tem sido ajudar a fabricar os mais hediondos e eficazes métodos de aniquilação, devemos considerar nossa missão solene e fazer tudo o que estiver em nosso poder para evitar que essas armas sejam usadas para propósito brutal.
E acrescenta: “Por uma penosa experiência, aprendemos que o pensamento racional não é suficiente para resolver os problemas de nossa vida social. O intelecto tem um olho aguçado para os métodos e ferramentas, mas é cego quanto aos fins e valores”.
“A ciência pode apenas determinar o que é, não o que deve ser. Esse é o campo da ética e da religião.”
São ainda de EINSTEIN as seguintes considerações:
“A função da educação não pode se limitar à transmissão de conhecimentos. Ela deve ajudar o jovem a crescer num espírito tal que os princípios éticos fundamentais (de honradez, veracidade, respeito ao próximo, solidariedade), sejam para ele como o ar que ele respira. O mero ensino não pode fazer isso” .
OS EXEMPLOS ARRASTAM
É dentro desse quadro de afirmação de valores éticos, de sede de justiça e de paz que ganha significação histórica o movimento lançado por CHIARA LUBICH.
Os artigos da Declaração Universal, os pronunciamentos dos homens de ciência e a consciência cada vez mais clara dos valores humanos representam notável avanço no campo da cultura e da história.
Mas, como lembra a velha sabedoria, as palavras voam, os escritos permanecem, os exemplos arrastam.
Não basta ensinar direitos humanos. É preciso vive-los. E dar testemunho de sua prática.
É no exemplo, na vivência de todos os dias que está a contribuição histórica de Chiara Lubich e dos Focolares para o movimento universal de renovação de valores no mundo contemporâneo.
Em plena segunda guerra, na cidade de Trento, entre as ruínas e a destruição, Chiara Lubich decide abraçar um ideal.
Contra o TOTALITARISMO, ela vem proclamar a dignidade inviolável das pessoas humanas.
Contra o NACIONALISMO estreito dos que declaram a guerra vem defender o entendimento pacífico de todos os povos e religiões para que “todos sejam um”.
Contra a VIOLÊNCIA e o ódio, vem pregar o amor, ” que é a vida do mundo”. Esse calor humano tem seu lugar privilegiado na família, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama como “núcleo natural e fundamental da sociedade”. Calor humanos, fogo do lar, focolares.
CAMINHO DA PAZ
Essa é a mensagem que o mundo quer ouvir. Mas, particularmente em nossa cidade de São Paulo – que é um microcosmo de nacionalidades, raças e religiões – ela evoca à mensagem do Arcebispo de São Paulo durante a segunda guerra, D. José Gaspar de Afonseca e Silva. Seu tema episcopal revelava a mesma aspiração: “Que todos sejam um”, “Ut omnes unum sint”.
Na mesma linha, outro episódio de nossa história latino-americana merece ser lembrado. Quando caia uma das últimas ditaduras de nosso continente, no Chile, por ocasião da posse do novo Presidente Patrício Aylwin, foi celebrado um Te Deum ecumênico. Na porta da Catedral estavam presentes um bispo católico, um rabino judeu, um pastor protestante, um sacerdote muçulmano e um religiosos budista. De mãos dadas, numa oração em comum, depois de dar graças a Deus pelo retorno do país à democracia, assumiam o compromisso de trabalhar, dentro de suas comunidades, pelo fortalecimento do valor comum a todas as religiões: a fraternidade. Se somos filhos de Deus, somos irmãos.
Esse sentimento de fraternidade, essa ética da solidariedade, é o caminho para a construção de um mundo mais justo e mais humano.
Em lugar dos braços cruzados da indiferença burguesa e dos gestos de ódio dos pregadores da violência, precisamos oferecer ao mundo os braços abertos da fraternidade. São estes braços abertos que recebem neste momento CHIARA LUBICH na universidade de São Paulo.
Esse mundo de fraternidade e justiça é apenas um sonho?
Como lembra um grande líder de nosso continente, D. Helder Câmara: “Quando sonhamos sozinhos, é só um sonho, mas, quando sonhamos juntos, é o começo de uma nova realidade”.
Essa nova realidade tem, neste momento, na Universidade de São Paulo uma grande afirmação. E o sentido desta homenagem é afirmar que, como CHIARA, todos nós desejamos fazer da humanidade uma grande família, em que todos se tratem como irmãos.
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