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Fundamentos filosóficos dos direitos humanos segundo Jacques Maritain

Fundamentos filosóficos dos direitos humanos segundo Jacques Maritain

17 out 2018

Renato Rua de Almeida, presidente do Instituto Jacques Maritain do Brasil

A obra filosófica de Jacques Maritain foi bastante abrangente e vasta, porquanto ele era um filósofo por excelência, um maître-à-penser, distinguindo-se dos filósofos racionalistas que se preocupam em ter sua própria filosofia, ao passo que ele, Maritain, valendo-se da historia da filosofia e de um raciocínio rigorosamente lógico refletia com visão realista de inspiração aristotélica sobre as varias categorias filosóficas tendo em vista o verdadeiro conhecimento das coisas da vida humana.
Poder-se-ia dizer, no entanto, que sua obra filosófica procurou destacar duas partes importantes : a metafísica e a filosofia política.
No campo da metafísica, ressaltaria duas de suas principais obras, a saber : Distinguir para Unir ou os Degraus do Saber e a Primazia do Espiritual.
Sobre a obra Distinguir para Unir ou os Degraus do Saber, Maritain diz que a dispersão e a confusão são igualmente contrárias à natureza do espírito. Ninguém entende melhor a verdadeira distinção do que aquele que busca a unidade, e, da mesma forma, ninguém conhece verdadeiramente a unidade se não conhece também a distinção. Numa síntese metafísica, Maritain afirma que é preciso debruçar sobre as complexas riquezas do conhecimento e do espírito, para distinguir tendo em vista a unidade. Para tanto, é preciso discernir os degraus do saber, sua organização e sua diferenciação interna, o que a filosofia reflexiva e crítica proporciona.
A questão do aborto atualmente em discussão no Brasil e na Argentina só será melhor compreendida a partir de uma visão filosófica do distinguir para unir, ensejada por uma visão reflexiva e crítica dos degraus do a saber.
A sua outra obra das mais importantes no campo da metafísica é a Primazia do Espiritual, como consequência das reflexões críticas de Maritain sobre o movimento L´Action française fundado por Charles Maurras com base na sua filosofia política conhecida como Politique d´abord.
A propósito, afirma Maritain, de forma crítica, que não haverá ordem e paz entre os homens se os sentidos não se submeterem à razão e se esta não se submeter a Deus, o que se realiza pela fé e pelo amor ao sobrenatural.
Para ele, Maritain, o erro permanente do mundo moderno e da inteligência moderna é pretender assegurar o reino da razão sobre a natureza ao mesmo tempo em que se recusa o reino sobrenatural sobre a razão.
Essas questões metafísicas são, por assim dizer, o alicerce da filosofia política e da filosofia dos direitos humanos de Jacques Maritain.
Na área da filosofia política e da filosofia dos direitos humanos, Maritain começa sua reflexão com a publicação do Humanismo Integral em 1936.
Para ele, Maritain, o humanismo integral é o humanismo teocêntrico, que tem Deus como o centro da vida, ao contrário do humanismo antropocêntrico, que tem o homem como o centro da vida.
A questão novamente do aborto bem ilustra essa distinção de Maritain, pois talvez o principal argumento dos que defendem o aborto seja dizer que se trata de um direito da mulher, porque ela tem direito de dispor sobre seu corpo do qual o feto faz parte, o que denota um humanismo antropocêntrico, ao passo que o direito à vida do ser humano, desde a concepção até a morte natural, pertence a Deus, o que denota um humanismo teocêntrico.
A construção da política e dos direitos humanos a partir do humanismo teocêntrico leva à felicidade dos homens, ao passo que a construção da política e dos direitos humanos a partir do humanismo antropocêntrico leva às desgraças da vida, tornando o mundo um vale de lágrimas para usar uma expressão da oração Salve Rainha em louvor à Maria Santíssima após a recitação do Rosário, que passou a ser conhecida como a oração da Paz a partir das aparições de Fátima, em Portugal, em plena Primeira Guerra Mundial, cujo centenário foi comemorado em 2017.
Esse humanismo integral, diz Maritain, não tem nada em comum com o humanismo burguês, e será tanto mais humano quanto menos for venerado o homem, mas ele respeita real e efetivamente a dignidade humana e dá direito às exigências integrais da pessoa, concebido e orientado para uma realização social-temporal com inspiração evangélica do ser humano, a qual não deve existir somente na ordem espiritual, mas encarnar-se, isto é, também direcionada para o ideal de justiça de uma comunidade fraterna.
Ademais, não é pelo dinamismo ou pelo imperialismo da raça, da classe ou da nação que ele pede aos homens de se sacrificarem, mas por uma vida melhor para seus irmãos, e pelo bem concreto da comunidade das pessoas humanas.
Enfim, um humanismo integral que promova o bem comum da sociedade.
Em 1942, durante o exílio político nos Estados Unidos, escreveu Maritain Os direitos do homem e a lei natural, que serviu de fundamento para a Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU de 1948.
Em 1951, Maritain escreveu o Homem e o Estado, verdadeiro tratado sobre a filosofia política e os direitos do homem.
Em apertada síntese, pode-se dizer que, para Maritain, a filosofia dos direitos do homem ou direitos humanos como chamamos hoje em dia tinha como base a lei natural em suas verdadeiras conotações metafísicas a partir de um dinamismo realista e de uma relação com a natureza e a experiência, não sendo, portanto, uma justificação racionalista.
Esse dinamismo realista dos direitos humanos para Maritain implica dizer que mesmo os direitos absolutamente inalienáveis são passíveis de limitação, senão quanto à sua posse, pelo menos quanto ao seu exercício, na importante distinção maritainiana entre posse e exercício dos direitos humanos.
É que, para Maritain, o exercício dos direitos humanos mesmo considerados inalienáveis, inclusive o maior deles que é o direito à vida, poderá ficar sujeito a condições e limitações ditadas, em cada caso, pela justiça.
É a hipótese, por exemplo, da pena de morte na declaração de guerra de uma Nação, no caso de agressão estrangeira, tendo em vista o bem comum, como consta da Constituição brasileira.
Ademais, para Maritain toda declaração dos direitos dos homens não é exaustiva e definitiva, como a catalogada na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU de 1948, mas relacionada com o estado da consciência moral e da civilização de uma época dada da história.
É o caso do direito à ecologia integral na condição de direito humano da modernidade, como ressaltado pelo Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si.
Essas premissas são desenvolvidas por Jacques Maritain sobretudo em texto intitulado Sur la philosophie des droits de l´homme como resposta à Unesco em 1947, que fizera pesquisa entre intelectuais influentes da época sobre os problemas teóricos para a aprovação da futura Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela ONU em 10 de dezembro de 1948.
Por fim, essa filosofia dos direitos humanos compreende para Maritain sua plena realização numa sociedade de pessoas humanas livres com características personalista, comunitária, pluralista e cristã.
São valores ainda em construção nas nossas sociedades e, para nós, constituem verdadeiros desafios, na medida em que hoje procuramos seguir os ensinamentos deixados pelo grande filósofo humanista e cristão Jacques Maritain.