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JACQUES MARITAIN: FILOSOFIA E RELIGIÃO NA MODERNIDADE

JACQUES MARITAIN: FILOSOFIA E RELIGIÃO NA MODERNIDADE

11 maio 2019

JACQUES MARITAIN: FILOSOFIA E RELIGIÃO NA MODERNIDADE
Coletânea, Revista do Instituto Teológico do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro,
Ano II, fascículo 4, 2003, p.231- 246
Dra. Maria Judith Sucupira da Costa Lins Professora da Faculdade de Educação/UFRJ
RESUMO
Este artigo busca mostrar alguns pontos do pensamento de Jacques Maritain numa reflexão frente aos elementos chaves da Religião Católica na Modernidade. São destacadas, de sua vasta obra, as idéias naquilo que dizem respeito a questões da Igreja Católica principalmente à luz da discussão do Concílio Vaticano II. Para uma melhor compreensão desta análise, introduzimos categorias filosóficas básicas no pensamento de Maritain e suas críticas a diferentes linhas de pensamento. No final são apresentadas reflexões sobre algumas idéias relativas ao que foi exposto.
JACQUES MARITAIN: FILOSOFIA E RELIGIÃO NA MODERNIDADE

I – INTRODUÇÃO
Em primeiro lugar, considero da maior importância repetir e enfatizar o que Raissa Maritain (1949) , mulher de Jacques Maritain, escreveu sobre o marido, em uma obra fundamental para a compreensão da vida e do pensamento deste filósofo. Raissa se refere à qualidade de seu caráter dizendo que Jacques não tinha o menor respeito humano porque tinha respeito à sua consciência. Considero esta definição do homem, do cristão e do filósofo como essencial e que, servindo de ponto de partida, já nos informa sobre as características de Maritain.
O tema da Filosofia de Jacques Maritain, conhecido Tomista, analisado em relação à Religião, se justifica por diferentes razões. Tomamos aqui um recorte específico da Religião, referindo-nos à Religião Cristã Católica. Justifica-se em primeiro lugar, pela própria importância da Filosofia Tomista, não só no círculo restrito filosófico, mas também na Igreja, e mais ainda pelo autor escolhido, um dos seus maiores representantes. Observemos a marca temporal, quando indicamos a Modernidade, a qual indica um tipo de pensar no qual Maritain esteve inserido. Na realidade, o próprio Maritain (1966) se dá conta disto, ao usar a expressão “Neo-Modernismo que floresce hoje.” Mais adiante, na mesma obra, comenta ainda a ambivalência do “modernismo de hoje”.
Devido a sua longevidade, pois nasceu em 1882 em Paris e morreu em 1973 em Toulouse, como ressalta Corvez (1984) “na plena posse de suas capacidades intelectuais” aos 91 anos, Maritain conseguiu participar de toda uma diferenciada e muitas vezes divergente história do pensamento filosófico mundial. Esteve presente praticamente em todos os acontecimentos que modificaram a História do Mundo durante o século XX, excetuando-se, entre outros, a queda do muro de Berlin (1989) e o enfraquecimento do comunismo, tanto politicamente como ideologicamente.
Nosso objetivo se resume a uma apresentação e breve discussão do pensamento de Maritain, dentro do propósito específico de uma perspectiva de Filosofia da Religião. Sabendo que Maritain sempre refletiu, desde a sua mais tenra juventude, como filósofo que uniu o seu pensar à sua vida, tendo ele ensinado, tanto na Europa (França e Alemanha) como nos Estados Unidos, e muito escrito, há que se selecionar de alguma forma esta enorme e densa produção. Escolhemos como base de sustentação a obra “Le Paysan de la Garonne” , tomada como fio condutor, principalmente por ser uma de suas últimas obras e de se propor reflexões pertinentes à Religião Católica depois dos ensinamentos do Concílio Vaticano II.
O Concílio Vaticano II foi encerrado na Festa de Nossa Senhora da Conceição, 8 de dezembro do ano 1965. Logo em seguida, o atento pensador Jacques Maritain (1966) resolve escrever um livro, sem maiores preocupações, no qual apresentaria suas impressões pessoais, filosóficas e religiosas. Como afirma no título, de forma despretensiosa, ele seria apenas um camponês a divagar sobre alguns temas. Por isso, diz que é “O camponês às margens do Rio Garonne”, em analogia a um ditado alemão que fala do camponês às margens do Rio Danúbio como alguém que tem os pés no chão, ou “que chama as coisas pelo seu nome.” Podemos, deste modo, entender que é alguém que pretende escrever a partir da realidade e dizendo as coisas tal como elas são percebidas, de forma concreta e direta.
Como subtítulo, e fazendo sua própria apresentação, diz ainda que este é um livro no qual “um velho leigo se interroga a propósito do tempo presente.” Como não se trata de “um velho leigo” qualquer, a obra resultante nos oferece preciosos subsídios para posteriores discussões sobre filosofia e religião.
Apesar de nascido em família de origem católica, o jovem filósofo Maritain era ateu. Ele e sua companheira, Raissa Maritain(1949) , uma estudante de filosofia judia russa, se converteram num processo muito bonito e especial de aprofundamento da reflexão e descoberta da fé, no qual um dos principais responsáveis foi Leon Bloy, padrinho deles, com quem conviveram de 1905 a 1917 e cuja profunda influência é por ela narrada na citada obra.
Maritain (1966) dá um testemunho de sua adesão ao aggiornamento da Igreja Católica simplesmente ao dizer que “dá graças por tudo o que o Vaticano II decretou.” Desta forma, ele comunica ao mundo sua posição e sua submissão, sem perder contudo o pensamento filosófico, marcado pela reflexão e pela indagação. Esta coesão é uma das marcas da personalidade deste filósofo cristão.
Salientamos ainda o estilo de Maritain ao escrever com rigor científico, num pensamento altamente especulativo, sem deixar de lado a beleza de palavras e frases que são próprias aos seus textos. A preocupação estética de Maritain está presente ainda em seus estudos sobre Arte em geral, destacando-se principalmente aqueles sobre a Poesia e a Pintura, sempre ligadas à especulação filosófica e à vida da Fé.

II – CATEGORIAS FILOSÓFICAS NO PENSAMENTO DE MARITAIN

Devido aos restritos limites deste trabalho, não nos aprofundamos no pensamento filosófico de Maritain, optando por uma muito breve citação de algumas categorias fundamentais da sua reflexão. Estas categorias fundamentais se apoiam no Tomismo e se revestem de uma novidade própria do seu tempo, sem, contudo constituírem uma transgressão à filosofia do Doutor Angélico, título de Santo Tomás com o qual Maritain gosta de referi-lo. Há certamente muito mais a se estudar sobre o pensamento filosófico de Maritain do que aqui está exposto, como poderíamos, por exemplo, discutir sua oposição radical a Descartes e seu sistema de pensamento, ou procurar entender sua concepção de ser, dentre outros aspectos importantes. Ficaremos apenas com os seguintes pontos cruciais:

1 – LIBERDADE

A filosofia desde os primórdios da Grécia clássica vem se perguntando sobre quem é o ser humano, qual a sua liberdade e a sua dignidade. Com esta preocupação é que Maritain (1966) faz a seguinte reflexão, referindo-se à liberdade:

Desta liberdade à qual o homem aspira no mais profundo de seu ser e que é um dos privilégios do espírito – é a partir de agora reconhecida e colocada com honra entre as grandes idéias diretrizes da sabedoria cristã; e mesmo a justa idéia da pessoa humana e de sua dignidade e de seus direitos.

O indivíduo só poderá alcançar esta idéia de liberdade, segundo o pensamento de Maritain, ou seja, encontrar sua libertação, “pelo conhecimento, pela sabedoria, pela boa vontade e pelo amor.” Estas são as condições filosóficas da liberdade em sua concepção.

2 – VERDADE

Unida à esta preocupação com a Liberdade, encontramos em Maritain(1966) a busca da Verdade, principalmente porque entende a liberdade religiosa como um dever para com a Verdade. Observando o mundo a sua volta, comenta a busca por verdades minúsculas em detrimento da Verdade “com um grande V” que somente no Absoluto pode ser encontrada.
Com muita preocupação, Maritain (1966) vê o abandono da busca da Verdade e diz que S. Paulo já anunciara a doença que assola esta segunda metade do século XX, quando “não se poderá mais ouvir a verdade e se buscará fábulas.” Isto não significa de modo algum que Maritain (1966) esteja se posicionando contrariamente à importância dos Mitos, pois como esclarece, há um crescimento de “mitos infecundos e fabricados (por professores), em particular os mitos da desmitização.” É interessante observar esta fina ironia, quando parece que Maritain está atacando os Mitos e retirando sua importância, quando na realidade está mostrando o perigo de sua destruição. É importante distinguir mito e verdade para se então passar à reflexão tanto filosófica quanto no plano religioso.
Vejamos ainda o filósofo afirmando que todo professor “é chamado a servir à verdade de modo mais profundo. O fato é que lhe é exigido amar acima de tudo a Verdade, como absoluto ao qual inteiramente dedicado; se ele é cristão, é o próprio Deus que ele ama,” conforme citação feita pelo Papa Paulo VI (1983) de palavras do próprio Maritain

3 – TEMPO

Uma das grandes preocupações de Maritain, principalmente quando observa as características do terceiro quarto do século XX, é a marca do descartável em tudo, desde o objeto mais insignificante até o próprio ser humano. Nada parece encontrar um valor dentro do tempo.
Maritain (1966) se refere a esta desvalorização do Tempo mostrando a existente “adoração do Efêmero.” Tudo parece logo ultrapassado, principalmente no campo das idéias, e como também ressalta, no âmbito do pensamento filosófico.
Ainda é conveniente ressaltar a importância que dá à idéia de tempo no que se refere à inserção de cada pessoa em seu tempo, sem a vivência nem de um anacronismo estéril nem de uma idolatria do momento presente.

4 – RAZÃO

Maritain (1966) deplora o fato de que os “herdeiros de Descartes preferem prosseguir com um trabalho mais fácil e mais frutuoso de destruição da razão” , lamentando que este tipo de atitude tenha invadido inclusive os seguidores do Doutor Angélico, pois diz que salvo entre “raros tomistas”, esta prática vem acontecendo.
A questão da racionalidade é bem clara no pensamento de Maritain, para o qual a análise, a explicação e a justificação se fazem sempre necessária, tanto na filosofia como na religião, seja na busca do conhecimento do mundo ou na relação com Deus. A razão, atributo que é privilégio do ser humano, parece-lhe não estar sendo plenamente utilizada, restringindo-se desta forma a um saber empírico, distante das possibilidades que lhe são próprias.

5 – VALOR

A questão do Valor, seja do próprio ser humano como da vida e de outros elementos fundamentais, é uma das maiores preocupações de Maritain, no plano filósofo e também no religioso. Por isso lembra que o “desenvolvimento da humanidade e da cultura comporta naturalmente uma escala de valores.” É com referência ao problema de “uma escala de valores” e refletindo sobre o que realmente pode ser entendido como um Valor, que Maritain analisa neste final do século XX as inversões de valores e os falsos valores presentes nas sociedades em geral.
Observa então que os valores cristãos, por excelência, se apresentam como formadores da verdadeira personalidade do educando, como ressalta em suas obras concernentes às questões de Educação. Valores cristão constituem a base sobre a qual se assenta a civilização ocidental, esclarece, ainda na mesma obra.

6 – FRATERNIDADE

Para entendermos a noção de Fraternidade como central na obra do filósofo, vejamos quando Maritain afirma que “a pessoa é um todo, mas não um todo fechado.”
A preocupação de Maritain com o bem-comum, fundada em sua compreensão e vivência do Tomismo, se revela principalmente na questão dos direitos do ser humano enquanto pessoa e ao mesmo tempo sendo pertencente a uma sociedade.
Uma das noções básicas do bem comum é que este “implica uma redistribuição,(grifo do Autor) deve ser redistribuído às pessoas e ajudar o seu desenvolvimento.” Deste modo pode ser também entendida a idéia de fraternidade para com todos os seres humanos, explicada por Maritain (1966) principalmente quando diz que a Igreja nos chama a todos a nos tratarmos como irmãos, tenhamos ou não o mesmo credo ou algum ou nenhum credo.

III – FILOSOFIA: CRÍTICAS A DIFERENTES LINHAS DE PENSAMENTO

Maritain é um filósofo cuja reflexão é de grande abrangência, e como num amplo leque, escreve sobre o ser de Deus, da natureza do homem, conhecimento, mística, moral, arte, cultura, história e muitos outros temas.
Muitos são os pontos de reflexão filosófica feitos por Maritain, todos eles basicamente tomando como fonte o Tomismo. Podemos dizer que há uma análise de elementos que irão constituir a sua própria filosofia de um lado, e outra análise mais ampla que se debruça sobra as diferentes filosofias mais em evidência no século XX. Neste sentido é que faz a seguinte constatação: “desaparece de nosso universo de cultura a idéia do conhecimento filosófico autêntico e se eclipsa o regime da verdade (grifo do Autor) a ser contemplada.” Fiel a sua perspectiva tomista, Maritain sustenta que as 5 vias de conhecimento ressaltadas por Sto. Tomas resistem a qualquer e toda crítica. A razão se constitui também sua base de pensamento.
Analisando o pensamento de Maritain e suas características, Melchiorre, destaca sua “convicção quanto ao inegável estatuto racional da filosofia.” O próprio Maritain se autodenomina como um filósofo em busca do conhecimento e da verdade de ordem racional, enfatizando a razão humana como a marca da filosofia, e esta por sua vez será a filosofia racional. Assim Maritain salienta o papel da racionalidade na filosofia, ou seja, “as verdades filosóficas, que emergem da experiência sensível por virtude do intelecto.” Fiel à orientação tomista, Maritain valoriza desta maneira a atividade racional humana no pensar filosófico e no seu agir coerente.
Discutindo a questão da racionalidade filosófica, Maritain se preocupa com as diversas correntes de pensamento e aponta nelas principalmente a falta desta racionalidade, mostrando seus pontos de relativismo e de incoerência, terminando por afirmar que “não é possível a um cristão ser relativista.”
Outra crítica feita por Maritain às demais filosofias é o fato destas não estabelecerem laços reais com a realidade. São formas de pensamento alienadas, que não se comprometem com o estudo da realidade e se distanciam da vida do ser humano. Sempre com a conexão entre Filosofia e Religião, Maritain (1966) expõe seus argumentos para fundamentar seu pressuposto de que o Cristianismo exclui um “idealismo no sentido filosófico.”
Sobre esta questão do idealismo filosófico, Maritain (1966) é categórico ao afirmar que em relação ao Cristianismo, o vocabulário filosófico adequado é o que “se chama realismo” (grifo do Autor). O filósofo se estende longamente analisando este aspecto e chega à conclusão que dentre toda a enorme variedade de propostas que se autodenominam filosofias, e que para ele não passam de pensamentos de ideósofos, mas não de filósofos, só há duas filosofias realistas: Cristianismo e Marxismo.
Criticando o cristianismo burguês que se apresenta como anticristianismo e ao mesmo tempo fazendo a crítica do marxismo, Maritain se constitui na voz original que aponta para um caminho novo, participando ativamente do “projeto da ‘nova cristandade’ que implicava tanto a recusa ideológica do marxismo como a separação definitiva do abraço mortal com a sociedade e a cultura burguesa”, como salienta Campanini (1983)
É neste sentido que também se aprofunda em críticas à filosofia cristã na medida em que esta se manifesta de forma a se afastar do realismo e de alguma forma termina por resvalar para o idealismo. Segundo o seu pensamento, é preciso pensar filosoficamente de maneira realista, sem se esquecer do compromisso com o ser da pessoa inserido na realidade temporal e cultural. Esta afirmativa decorre do tomismo já que a doutrina de Santo Tomás é caracteristicamente realista.
A partir do próprio trabalho de Santo Tomás, inegavelmente um dos maiores filósofos existentes, não só pelo seu método de pensamento, mas pela construção do edifício de suas idéias, e sabidamente um teólogo, Maritain (1966) se pergunta, já apresentando a resposta: “De que instrumento o teólogo tem necessidade (para adquirir alguma inteligência dos mistérios da fé) ? de uma filosofia.”
No entanto, Maritain jamais aceitou ser chamado de neotomista, o que pode ser entendido na explicação de Rigobello (1983)

ele é um leitor de Tomas que pede ao seu autor a resposta aos problemas que a cultura contemporânea põe, mas revolve de um modo todo insatisfatório deixando um vazio que só a relação direta, a primeira leitura, o encontro quase pessoal com o santo Doutor pode preencher com a sua insuperável capacidade de ser sempre atual.

IV – RELIGIÃO: REFLEXÕES PÓS-CONCILIARES

Lendo qualquer das obras de Maritain, mesmo que seja sobre um assunto aparentemente distanciado do enfoque religioso, encontraremos fortemente presente a perspectiva de fé, de vivência da Religião e da preocupação com o ser humano enquanto criatura de Deus. Isto se confirma seja em tratados sobre política ou moral, arte ou educação, ou qualquer outro dos temas abordados por este filósofo francês. A sua vocação cristã, plenamente conscientizada desde sua conversão, está assumida ao lado de sua vivência de filósofo. Dificilmente se poderia separar o filósofo Maritain do cristão Maritain, embora ele próprio tenha bastante rigor em não misturar coisas de fé com aquelas da especulação pura e simples da inteligência humana, exteriores à revelação divina.
Sobre a originalidade e a importância do Concílio Vaticano II para toda a vida dos fiéis e para a Igreja como depositária da doutrina pregada por Jesus Cristo, Maritain não hesita em afirmar que este se constituiu numa “ilhota guardada pelo Espírito de Deus no meio de um oceano no qual rolam todas as coisas, o verdadeiro e o falso, misturados.” Com esta metáfora, o filósofo amplia suas críticas a pensamentos e comportamentos ditos cristãos, além das restrições apresentadas a algumas formas de sistemas filosóficos em moda.
O valor e a contribuição do Concílio Vaticano II são postos em evidência também quando Maritain afirma que por meio deste não haverá “de modo algum uma adaptação da Igreja ao mundo, como se este regesse aquela; mas sim um por em dia das posições essenciais da própria Igreja.” (grifo do Autor). Refletindo sobre as principais questões da Religião que afligem o homem pós-moderno, Maritain critica o pensamento vigente que considera “Mito ao que se refere ao mundo sobrenatural das religiões.”
Com a morte de Vera, irmã de Raissa e considerada por Maritain como também uma irmã, em 1959, e da própria Raissa em 1960, o filósofo se retirou para Toulouse, sempre como leigo, vivendo entre os Pequenos Irmãos de Jesus. Desta época até a sua morte, seu trabalho e suas reflexões têm mais propriamente como objeto a Religião e a Igreja Católica em particular. É neste tempo que se realiza o Concílio Vaticano II e também desta etapa de sua vida a obra que nos está servindo de base.
As reuniões do Concílio Vaticano II são encerradas, como já foi aqui citado, em 8 de dezembro de 1965, e durante o sua realização, os problemas ali discutidos eram tema de reflexão e debate de diferentes grupos. Neste período de maior reclusão de sua vida, o Maritain continua a participar ativamente de todas as questões da Igreja, acompanhando de perto o que acontecia no Vaticano. Podemos observar, por exemplo, quando Maritain se refere a um Seminário organizado pelos Irmãos com os quais vivia, acontecido mesmo em Toulouse, em 28 de maio de 1963, “a propósito da Igreja do Céu.” Neste encontro inicia sua exposição, preocupado com a atitude de indiferença dos cristãos quanto à vida eterna, com as seguintes palavras:

Parece-me que reina uma extrema negligência entre os cristãos quanto ao assunto da Igreja do céu e, portanto, há nisto uma evolução a ser feita, evidentemente que não no dogma ou na doutrina, mas na tomada de consciência.

Mesmo sem a referência explícita ao que estava acontecendo nas reuniões do Concílio Vaticano II, o texto, do qual foi extraída a citação, está sintonizado com as preocupações e as propostas dos membros conciliares. Há na reflexão de Maritain um sentido profundo de renovação da Igreja, principalmente com o objetivo de que toda a sua riqueza se torne presente na vida diária dos cristãos. Nesta perspectiva é que se destacam as obras nas quais se aprofunda no conhecimento dos elementos de Cristologia e da atuação do leigo na Igreja.
Não é só a partir de seu retiro em Toulouse que se pode observar na obra de Maritain a preocupação com a realidade concreta do mundo em relação à fé e à religião. Embora afirme que “há uma missão temporal do cristão em relação ao mundo e ao progresso humano” em uma destas suas obras pós-conciliares, esta certeza da ação real do ser humano é antiga.
Ainda sobre a importância do Concílio Vaticano II, que para ele “foi o anúncio de uma nova era” na vida do cristão no mundo, Maritain com muita tristeza se lamenta dizendo que “os cristãos não mais se ajoelham diante do sacrário e se ajoelham diante do mundo.” Esta observação se refere ao afastamento que se notava, e hoje ainda se faz presente, dos próprios cristãos em relação à sua Religião. Há também nesta afirmativa uma preocupação com a evidente perda do sentido do sagrado que era crescente, já nesta época, em todo o mundo.
Analisando a questão da Filosofia numa perspectiva pós-conciliar, mas coerente com todo o percurso de reflexão que já vinha fazendo desde o início de sua carreira como filósofo, Maritain (1966) afirma que: “A filosofia se ocupa daquilo que há (grifo do Autor) sob os fenômenos. E a fé, Daquele que é (grifo do Autor).”

V – CONCLUSÕES

Maritain se destaca em seu trabalho de reflexão ligando Filosofia e Religião por sua perspectiva de busca do Absoluto plenamente inserido na realidade, sem jamais perder o sentido da “missão temporal do cristão.” Além disso, como bem destaca De Finance, “eis a abordagem maritainiana da pessoa: a pessoa é um ser capaz de se dar.” (grifo do Autor) Esta é uma das idéias fundamentais que perpassa toda a obra de Maritain, tanto no que diz respeito à filosofia como na teologia.
Observando algumas das posturas teológico-filosóficas apresentadas em tempos de pós-modernidade, no que se refere aos teólogos, diz que são Sofistas e que têm necessidade de um novo Sócrates, ou seja, de um rigor científico de indagações e questionamentos profundos em vez de um discurso rico e floreado.
Pode parecer estranho ao leitor não familiarizado com o rigor da verdade e a autenticidade presentes no pensamento de Maritain, quando preocupado com a falta de análise crítica fecunda no mundo pós-moderno, diz que só vê “nos países do Ocidente, três revolucionários dignos deste nome – Eduardo Frei no Chile, Saul Alinsky na América e eu na França.” Com esta corajosa afirmativa, e uma forte autoconsciência de sua contribuição, Maritain quer mostrar o estado alienado da filosofia no quase final do século XX.
Sobre esta atuação revolucionária de Maritain, vejamos, ainda que brevemente, o que dizem alguns dos estudiosos de seu pensamento:
1. M’Bow, Amadou-Mahtar diz que a sua cooperação para a democracia, como homem público, é de inestimável atuação e afirma que sua “cooperação internacional é motivo pelo qual Jacques Maritain pode ser considerado como um dos pais espirituais da UNESCO”. Maritain ocupou a presidência da UNESCO, tendo na abertura da Conferência Geral de 1947, entre outras idéias, dito que: “a máxima segundo a qual a política deve ser indiferente ao bem e ao mal é um erro homicida.”
2. Olivier Lacombe diz que “a personalidade de J. Maritain era das mais fortes e os seus dons resplandeciam. Falou sempre sem meios termos em relação às grandezas do mundo. Soube conservar sempre aquela liberdade que é a condição mesma de um autêntico serviço da verdade.”
3. Jean-Hervé Nicolas diz que “as contribuições de J. Maritain em variados campos como a filosofia da arte, a filosofia moral, a filosofia política, a filosofia da história e muitos outros ainda, são bastante originais, bastante ricos, bastante estimulantes para novas aplicações e posteriores pesquisas, que pode ser que na história do pensamento dele se termine por se recordar sobretudo do posto que ocupou nos grandes debates intelectuais do seu tempo.”
4. Enrico Berti analisa a posição de Maritain em relação aos conceitos de democracia e Estado e pessoa e chega à conclusão de que suas propostas não são modernas, mas se projetam no futuro, ultrapassando as falhas das modernas. Sobre estes aspectos diz que para Maritain “não se faz política só quando se se ocupa dos problemas do Estado, mas em todos os momentos da própria vida das relações, e o cume da vida política do homem, não está na relação com o Estado nacional, mas na edificação da sociedade política mundial, que assegure a paz a todos os homens.”
Relembrando a referência já feita a sua muito amada mulher Raissa, e também a Vera, observemos como sobre esta profunda ligação de amor e de fraterna amizade, Maurin se expressa: “Se Jacques, Raissa e Vera são ‘liberados’ de certas práticas ‘monásticas’, a vida deles não fica menos dedicada a Deus, na oração e no amor fraterno. Raissa compôs uma pequena regra de vida da qual fez três exemplares, um para cada um, a qual liam todos os dias e a seguiam fielmente.”
Sintetizando, repetimos sobre Maritain o que dizem Krapiec e Zdybicka, organizando seu pensamento em três etapas:
“a) Maritain foi o primeiro filósofo contemporâneo que analisou o conhecimento espontâneo e pré-científico de Deus,
b) ligando-a a um conhecimento sistemático, filosófico,
c) e subordinando-o ao conhecimento iluminado pela fé.”

Estes dois autores conseguem assim, de forma extremamente concisa, descrever a gênese do pensamento de Maritain, mostrando a reflexão crescente do filósofo, que partindo de elementos concretos chega ao transcendental passando pela razão.
Muitos outros aspectos poderiam ser ainda objeto de análise dentro da contribuição de Maritain para a compreensão da relação Filosofia/Religião. Destacamos apenas alguns pontos que poderão ser retomados e desenvolvidos em estudos posteriores.
Para finalizar, consideramos que melhor do que a utilização de nossas palavras, será recorrermos ao que o próprio Maritain (1966) disse certa vez a Jean Cocteau, refletindo sobre o ser humano diante da Filosofia e da Religião:
“Il faut avoir l’esprit dur et le coeur doux. Et j’ajoutais mélancoliquement que le monde est plein de coeurs secs à l’esprit mou.”

“É preciso ter o espírito duro e o coração doce. E eu acrescentava melancolicamente que o mundo está pleno de corações secos em espírito mole”.
VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Maria Judith Sucupira da Costa Lins