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O DIREITO PARTICIPATIVO E AS MANIFESTAÇÕES POPULARES: ENTRE A DIGNIDADE HUMANA E O HUMANISMO INTEGRAL

O DIREITO PARTICIPATIVO E AS MANIFESTAÇÕES POPULARES: ENTRE A DIGNIDADE HUMANA E O HUMANISMO INTEGRAL

24 jun 2018

SANTOS, Ivanaldo e POZZOLI, Lafayette. O Direito Participativo E As Manifestações Populares: Entre A Dignidade Humana E O Humanismo Integral. In: ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba-PR. Ano X, n. 17, jul/dez-2017. ISSN 2175-7119.

PARTICIPATORY LAW AND POPULAR MANIFESTATIONS: BETWEEN HUMAN DIGNITY AND INTEGRAL HUMANISM

Ivanaldo Santos1 Lafayette Pozzoli2

Resumo: O objetivo do estudo é apresentar a relação entre o direito participativo e as manifestações populares tendo por eixo de análise o princípio da dignidade da pessoa humana e o conceito de humanismo integral desenvolvido por Jacques Maritain. Concluise afirmando que, dentro de um quadro de mudança social e de reposicionamento do Estado, é preciso que o direito participativo, cada vez mais, se aproxime do cidadão e da sociedade civil. Essa aproximação conduzirá tanto ao Estado como a própria sociedade civil a integrarem as diversas facetas do ser humano e, por conseguinte, haver uma maior valorização e absorção das diversas lutas e reivindicações da humanidade dentro das manifestações populares. No entanto, essas manifestações devem sempre ser realizadas dentro da ordem, da pacificação e da valorização da dignidade da pessoa humana e, por isso mesmo, nunca acontecerem dentro do espírito de caos, de violência e de barbárie.

Palavras-chave: Direito participativo. Manifestação popular. Dignidade humana. Humanismo integral.

Abstract: The objective of this study is to present the relationship between participatory law and popular manifestations, based on the principle of the dignity of the human person and the concept of integral humanism developed by Jacques Maritain. It is concluded that, within a framework of social change and repositioning of the State, it is necessary that the participatory law, more and more, approaches the citizen and civil society. This approach will lead both the State and civil society itself to integrate the various facets of the human

1 Filósofo, doutor em estudos da linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), realizou estágio pós-doutoral em estudos da linguagem na Universidade de São Paulo (USP) e estágio pós-doutoral em linguística na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atualmente é professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). É líder do Grupo de Estudos do Discurso (GRED) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, membro do GT Filosofia da Linguagem da ANPOF, sócio fundador da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica (SBFA), membro da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) e membro do Instituto Jacques Maritain do Brasil (IJMB) ivanaldosantos@yahoo.com.br. 2 Advogado. Professor, Coordenador do Mestrado em Direito e Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão no UNIVEM, Professor e foi Chefe de Gabinete na PUC-SP. Possui graduação em direito, Mestrado e Doutorado em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Pós-Doutorado pela Universidade La Sapienza, Roma (2002). Líder do Grupo de Pesquisa: Grupo de Estudos e Pesquisas – Direito e Fraternidade (GEP) do UNIVEM. Membro do Conselho Editorial da revista Em Tempo e da Revista de Direito Brasileira – RDBras, do CONPEDI. Avaliador para cursos de direito INEP/MEC. Foi membro da Comissão de Ensino Jurídico, do Tribunal de Ética – TED-1 e da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB/SP. Foi sócio efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo. lafayette@lafayette.pro.br.
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being and, consequently, there will be a greater appreciation and absorption of the diverse struggles and demands of humanity within popular manifestations. However, these manifestations must always be carried out within the order, pacification and valorization of the dignity of the human person and, therefore, never happen in the spirit of chaos, violence and barbarism.

Keywords: Participatory law. Popular manifestation. Human dignity. Integral humanism.

Introdução

Deve-se recordar que a Copa do Mundo, de 2014, deu ao Brasil a oportunidade para ter uma lei, ou seja, a Lei n. 12.663, de 5 de junho de 20123, mais conhecida como Lei Geral da Copa; que embora tenha este nome, regulamentou, em 2013, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), assim como as Olimpíadas de 2016. A Lei Geral da Copa permite a manifestação popular, aliás, não em si, mas a Constituição Federal permite tais atos. O que não se admite é a baderna, a desordem e ultrapassar os limites estabelecidos na própria Constituição. Diante dessa realidade, pergunta-se: porque em manifestações populares, resguardadas por lei, existem atos de violência, desordem e a baderna? Daí pensa-se também um pouco sobre a justiça. A lei tem por meta alcançar a paz na sociedade. Para isto temos que levar em consideração que o conceito de cidadão, nos dias de hoje, é diferente daquele no passado. O conceito de cidadão atual é aquele em que a pessoa tem direito a ter direitos. Já no conceito clássico o cidadão era aquele que possuía o direito a tão somente votar e ser votado; hoje, antes do nascimento, a pessoa já possui direitos (direito a vida intrauterina); após a morte, direito a uma sepultura digna. Tudo isto é garantido, evidentemente, pelo direito. O direito é uma regulamentação feita a partir de ações e valores presentes na sociedade. Não podemos nos esquecer, também, que há outro lado: o da justiça, que é e pode ser chamado de justiça fraternal; aquela que está interna à pessoa. Exemplo: sou eu quem decide ir lá quebrar a porta de vidro na avenida; e tais ações dependem da vontade das pessoas. Em certo sentido veremos que a lei garante uma justiça na sociedade, mas também depende do cidadão e, neste caso, há uma intrínseca relação com a educação do cidadão.
3 BRASIL. Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012. Lei Geral da Copa. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012.

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Nesta oportunidade que o Brasil vivenciou, tomando como referência o ponto de vista sobre os valores arrecadados pela Federação Internacional de Futebol (FIFA), não podemos deixar de considerar que também é um ato mundial (Ocidente e Oriente unidos) em que o Brasil foi foco, e que o futebol é um valor brasileiro (que faz parte do cotidiano da maioria das pessoas e, nestas condições, o evento tem sua realização no Brasil. Atualmente presencia-se no Brasil um momento político-eleitoral e, talvez por conta disto, a vida social está um pouco difícil de ser concentrada ou harmonizada. Nisto, independentemente do contexto, o brasileiro continua a torcer e vibrar pela seleção de futebol. Assim há muitos aspectos que devem ser levados em consideração, como as grandes construções que foram realizadas e que não possuem muita significação para a localidade em que estão; porém, de alguma forma, concretamente constituíram um legado que o Brasil deixará para a humanidade. O Império Romano deixou uma quantidade considerável de monumentos, a exemplo do Coliseu, e que se ostenta até os dias atuais de uma maneira a resgatar a história do Império Romano. Ao se falar de justiça é bom relacioná-la ao cosmos. Temos os dias, as noites, a lua, a chuva, assim percebendo presente uma harmonia no cosmos. Esta é a harmonia que deve também existir entre as pessoas, neste sentido os gregos já discorriam sobre a justiça distributiva, em que o poder público possui a preocupação com certos segmentos da sociedade. A outra espécie de justiça é a comutativa, sendo a relação que uma pessoa tem para com a outra; aqui cabe a regra de ouro estabelecida pela seguinte proposição: “não faças ao outro aquilo que não gostaria que se fizesse a você”. Por fim, há outra justiça também já pensada pelos gregos, que é a justiça social. Nesta forma de justiça é estabelecida, entre outros princípios, a relação entre o Estado e a sociedade. Mas nos dias de hoje é possível identificarmos mais uma espécie: a justiça participativa, em que podemos participar de duas maneiras. Uma delas é simplesmente cruzar os braços, não votar, não tomar parte nos debates públicos, que significa exatamente uma maneira de participar. A outra é votando, realizando alguma atividade sociocultural, participando de algum grupo de atividade comunitária (igrejas, ONG, instituição filantrópica etc.). De um lado, devemos levar em consideração os valores éticos da sociedade que foram consignados, por diversos modos, no que chamamos de norma ou lei. Por outro lado, existem algumas normas e leis não escritas que dependem da
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pessoa humana. Por isso, volta-se a repensar e rediscutir o direito fraterno4, em que a decisão de praticar um ação social ou de participar de um ato sociopolítico estará ligada diretamente a noção de pessoa humana. O presente estudo não tenciona apresentar uma discussão profunda e definitiva sobre a justiça participativa. A sua intensão está centrada na realidade sociopolítica e cultural. Por isso, o objetivo do estudo é apresentar a relação entre o direito participativo e as manifestações populares tendo por eixo de análise a dignidade da pessoa humana e o humanismo integral. Para alcançar esse objetivo o estudo foi dividido em duas partes, sendo elas: Definindo conceitos: manifestação popular, dignidade humana, humanismo integral e a justiça participativa; O direito participativo nas manifestações populares: entre a dignidade humana e o humanismo integral. Como eixo teórico trabalhou-se, dentre outros, com Barili (1984), Barroso (2010a, 2010b), Fukuyama (2003), Lafer (1988), Maritain (1962), Ramiro (2009), Resta (2004), Ribeiro Neto (2010) e Zilles (2012). Por fim, afirma-se que, dentro de um quadro de mudança social e de reposicionamento do Estado, é preciso que o direito participativo, cada vez mais, se aproxime do cidadão e da sociedade civil. Essa aproximação conduzirá tanto o Estado como a própria sociedade civil a integrarem as diversas facetas do ser humano e, consequentemente, haver uma maior valorização e absorção das diversas lutas e reivindicações da humanidade dentro das manifestações populares. No entanto, essas manifestações devem sempre ser realizadas dentro da ordem, da pacificação e da valorização da dignidade da pessoa humana e, por isso mesmo, nunca acontecerem dentro do espírito de caos, de violência e de barbárie.

4
O direito fraterno está estruturado nos seguintes pontos: humanidade, lei da amizade, conciliar, mediar pontos, combater as guerras e a inimizade. Com isso, busca-se resgatar a possibilidade de um novo direito, em que a parente pobre da revolução francesa, ou seja, a fraternidade, passe a orientar o direito e a sociedade. (cf. RESTA, Eligio. O direito fraterno. Santa Cruz do Sul/RS: Edunisc), 2004. Em linhas gerais, o direito fraterno visa – dentro da era dos direitos (cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992.) e da reconstituição dos direitos humanos (cf. LAFER. Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.) – a humanização da hermenêutica constitucional e, em decorrência, o próprio direito (cf. BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2010.).
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Definindo conceitos: manifestação popular, dignidade humana, humanismo integral e a justiça participativa

Para a presente discussão, do ponto de vista didático, serão apresentados os conceitos de manifestação popular, de dignidade da pessoa humana, de humanismo integral e, por último, de justiça participativa. O primeiro conceito apresentado é o de manifestação popular. Por manifestação
popular entende-se a participação da pessoa em um ato coletivo em que os cidadãos se
reúnem, no espaço público, para expressar uma opinião política a favor ou contra
determinada causa, acontecimento ou estrutura social. Em muitos países regulamentam,
restringem ou até mesmo podem proibir a realização de manifestações populares.
No caso específico do Brasil, a manifestação popular é livre e garantida pela
Constituição Federal. Leis ordinárias estabelecem os necessários limites de ação social e
a consequente responsabilidade civil e penal para quem descumprir esses limites. Sobre
a manifestação popular, Pinto Ferreira afirma:

O Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade, que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como também sob o aspecto negativo, referente à proibição da censura.5

Igualmente o inciso XVI do artigo 5º, da Constituição Federal, contempla o direito
de reunião – já previsto no artigo 16 da Declaração da Pensilvânia6 –, de 1776, afirmando:

Que o povo tem o direito de se reunir, de deliberar para o bem comum, de dar instruções a seus representantes e de solicitar à legislatura, por meio de mensagens e petições, ou de representações, a emenda dos erros que considere por ela praticados.7

5
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição. Volume V-I. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 68.
6
Cf. ARMITAGE, David. Declaração de Independência: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 139-142. 7 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 79.
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A Constituição Federal, portanto, garante que todos podem se reunir
pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de
autorização, sendo exigido apenas prévio aviso à autoridade competente, tratando-se,
pois de direito individual o coligar-se com outras pessoas para fins lícitos. Sobre o direito
a reunião, base de uma manifestação popular, Paolo Barili, qualifica esse direito da
seguinte forma:

Como simultaneamente, um direito individual e uma garantia coletiva, uma vez que consiste tanto na possibilidade de determinados agrupamentos de pessoas reunirem-se para livre manifestação de seus pensamentos, quanto na livre opção do indivíduo de participar ou não da reunião.8

O segundo conceito é o de dignidade da pessoa humana. Os seres humanos se diferem, entre si, por diversos e múltiplos fatores. Entre eles é possível citar, por exemplo, a cor da pele, a classe social, as diferenças sexuais e as diferenças socioculturais. No entanto, existe um elo, um ponto comum entre os seres humanos. Esse elo é a dignidade da pessoa humana. Sobre a dignidade como sendo o elo comum entre os seres humanos, afirma-se:

O que a igualdade de reconhecimento implica é que, quando despimos uma pessoa de todas as suas características contingentes e acidentais, resta sob isso uma qualidade humana essencial que é merecedora de certo nível mínimo de respeito – chama-se Fator X. A cor da pele, a aparência [física], a classe social e a fortuna, o gênero [sexual], a bagagem cultural e até os talentos naturais de uma pessoa são todos acidentes de nascimento relegados à classe de características não essenciais.9

Apesar do ser humano possuir um número gigantesco de diferenças, nenhum desses fatores representa o que existe de mais essencial e característico do gênero humano. O que realmente representa a espécie humana é o fato de que “todos os seres humanos são, de fato, iguais em dignidade”10.

8
BARILI, Paolo. Diritti Dell’uomo e Libertá Fundamentali. Bolonha: Molino, 1984, p. 105.
9
FUKUYAMA, Francis. Nosso futuro pós-moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 158. 10 FUKUYAMA, Francis. Nosso futuro pós-moderno. op. cit., p. 159.
SANTOS, Ivanaldo e POZZOLI, Lafayette. O Direito Participativo E As Manifestações Populares: Entre A Dignidade Humana E O Humanismo Integral. In: ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba-PR. Ano X, n. 17, jul/dez-2017. ISSN 2175-7119.
A dignidade é o amplo conjunto de coisas, materiais e imateriais, que tornam o ser humano mais nobre, excelente, honrado e desejoso de melhorar a si mesmo, o outro, o seu próximo, a sociedade e a natureza. Por causa disso, a dignidade, em si mesma, “não pode ser demonstrada”11. Ela é essencialmente um valor e um princípio ético que orienta o ser humano a experimentar novas e mais humanas condições existenciais. É por causa disso que a “vida humana não perde sua dignidade quando afetada pela demência [pela doença] ou quando dormimos, pois, a autonomia não é o único fundamento de sua dignidade”12. Como observa Agostini13, é preciso, de alguma forma, ter consciência do valor incomparável da vida humana, o que torna o ser humano o primeiro e fundamental caminho que se deve, de alguma forma, encontrar. Por isso, deve-se afirmar que a vida humana tem um valor incomparável, sendo, por isso, inviolável. O preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos14 faz referência à dignidade atestando a sua indispensabilidade. A Constituição Federal brasileira, por sua vez, fazendo eco à Declaração Universal de Direitos Humanos, alçou a dignidade da pessoa humana ao patamar de princípio fundamental no Artigo 1º, III, reafirmando o valor da pessoa humana e a sua dignidade. Na verdade, este princípio é o sustentáculo de todos os demais direitos humanos a serem exercidos pelas pessoas dentro do Estado democrático de direito. Um país que não assegure a dignidade da pessoa humana não pode pretender fundar um ordenamento jurídico.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado democrático de Direito e tem como fundamentos. […] III – a dignidade da pessoa humana.15

Tem-se, pois por Princípio da Dignidade da Pessoa Humana um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação

11
BRAKEMEIER, Gottfried. O ser humano em busca de identidade. São Leopoldo: Sinodal, 2002, p. 16.
12
ZILLES, Urbano. Pessoa e dignidade humana. Curitiba: Crv, 2012, p. 53. 13 Cf. AGOSTINI, Nilo. Bioética e ética médica: educar para uma ética da vida. In: GIACOIA JÚNIOR, Oswalvo; RAMIRO, Caio Henrique Lopes; RICCI, Luiz Antonio Lopes. Responsabilidade e futuro: bioética, biopolítica, biopoder e os desafios para a reflexão e a ação. São Paulo: LiberArs, 2015, p. 42. 14 UNESCO. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Brasília: 1998. 15 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Distrito Federal: Senado, 1988.
SANTOS, Ivanaldo e POZZOLI, Lafayette. O Direito Participativo E As Manifestações Populares: Entre A Dignidade Humana E O Humanismo Integral. In: ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba-PR. Ano X, n. 17, jul/dez-2017. ISSN 2175-7119.
consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas. Com isso, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todos os seres humanos enquanto seres humanos. O terceiro conceito é o de humanismo integral. O debate sobre o humanismo integral inicia-se e ganha força com o lançamento do livro: Humanismo integral do filósofo Jacques Maritain. Uma obra que, ao ser lançada em 1936, “causou intensa repercussão na comunidade filosófica mundial”16. Com esse livro Maritain contribuiu para inaugurar o humanismo moderno, o qual é diferente do humanismo renascentista também conhecido, a partir do século XIX, como humanismo burguês. O humanismo que nasce na renascença é essencialmente racional e guia o ser humano para viver sob o domínio da razão. Um grande exemplo desse modelo de humanismo é a obra Elogio da loucura17, na qual se critica a corrupção eclesial, o analfabetismo reinante no século XVI, coisas que devem ser realmente criticadas, e aponta como solução para esses problemas o uso e o primado da razão. O problema do humanismo renascentista é que o seu centro é a razão e, por conseguinte, esquece ou nega outras dimensões da vida humana, tais como: a arte, a poesia e a vida religiosa. Em grande medida, trata-se de um humanismo incompleto e inacabado. Já o humanismo integral, proposto por Maritain, é um novo modelo de humanismo que se abre para as diversas dimensões da vida humana, que respeita e promove a dignidade da pessoa humana. É um humanismo que se “caracteriza por buscar a integridade da pessoa humana, criticando a incapacidade do pensamento moderno de ver o ser humano para além dos limites de uma racionalidade cada vez mais instrumental e cientificista”18. É por causa disso que se afirma que, na década de 1930, período histórico do lançamento do livro “Humanismo Integral”, Jacques Maritain “significava ousadia, vanguardismo, o que tínhamos de mais avançado no mundo”19.
16 SOUZA, Carlos Aurélio Mota. Fundamentos humanistas do bem comum: família, sociedade e Estado. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota; CAVALCANTE, Thais Novaes (Orgs.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 111. 17 ROTERDÃ, Erasmo. Elogio da loucura. São Paulo: Brasileira, 1982. 18 RIBEIRO NETO, Francisco Borba. Humanismo, natureza e experiência. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota; CAVALCANTE, Thais Novaes (Orgs.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 156. 19 VILLAÇA, Antônio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975, p. 16.
SANTOS, Ivanaldo e POZZOLI, Lafayette. O Direito Participativo E As Manifestações Populares: Entre A Dignidade Humana E O Humanismo Integral. In: ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba-PR. Ano X, n. 17, jul/dez-2017. ISSN 2175-7119.
Maritain conceitua o novo modelo de humanismo da seguinte forma:

Este novo humanismo, sem medida comum com o humanismo burguês, e tanto mais humano quanto menos adora o homem, mas respeita, realmente e efetivamente a dignidade humana e dá direito às exigências integrais da pessoa, nós o concebemos como que orientado para uma realização social-temporal desta atenção evangélica ao humano, a qual não deve existir somente na ordem espiritual, mas encarnar-se, e também para o ideal de uma comunidade fraterna.20

O humanismo integral de Maritain respeita e valoriza a ordem espiritual e religiosa, mas não se resume somente a elas. Por causa disso, esse modelo de humanismo, busca realizar as exigências integrais da pessoa humana e criar uma comunidade fraterna que extrapole os simples limites do Estado ou da nação. É por causa desse princípio que o próprio Maritain incorpora, ao longo de sua obra filosófica, diversas facetas ou dimensões da atividade humana, como, por exemplo, a política21, a educação22, a vida mística23 e a religião24, a arte e a poesia25, a reflexão sobre o ateísmo contemporâneo26 e a vida operária27 e uma crítica ao mito do progresso28. A proposta do humanismo integral, apresentada por Maritain, luta para garantir os direitos do cidadão29 e, ao mesmo tempo, estabelece os limites e os deveres da relação entre o indivíduo e o Estado30. Por tudo isso, trata-se da mais ampla e ambiciosa proposta voltada para o humanismo, a qual engloba, em seu interior, praticamente todos os níveis da vida e da cultura humana. Tudo isso, como salientam Lino Rodriguez e Arias Bustamante31, voltada para criar uma sociedade solidária e fraterna. O quarto e último conceito é o de justiça participativa. Um conceito importante

20
MARITAIN, Jaques. Humanismo integral. São Paulo: Dominus, 1962, p. 8. 21 Cf. MARITAIN, Jaques. Princípios de uma política humanista. Rio de Janeiro: Agir, 1960. 22 Cf. MARITAIN, Jaques. Rumos da educação. Rio de Janeiro: Agir, 1968. 23 Cf. MARITAIN, Jaques. Caminhos para Deus. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962. 24 Cf. MARITAIN, Jaques. Religion y cultura. Madri: Santa Catalina, 1940. 25 Cf. MARITAIN, Jaques. Arte e poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1947. 26 Cf. MARITAIN, Jaques. Significado del ateísmo contemporâneo. Madri: Eclesia, 1950. 27 Cf. MARITAIN, Jaques. A razão operária. Belo Horizonte: PUCMG, 2001. 28 Cf. MARITAIN, Jaques. Progresso e progressismo. Rio de Janeiro: Agir, 1970. 29 Cf. MARITAIN, Jaques. Os direitos do homem. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. 30 Cf. MARITAIN, Jaques. O homem e o Estado. Rio de Janeiro: Livraria agir, 1952. 31 RODRIGUEZ, Lino; BUSTAMANTE, Arias. Jacques Maritain y la sociedad comunitária. Madri: Monte Avila, 1980.
SANTOS, Ivanaldo e POZZOLI, Lafayette. O Direito Participativo E As Manifestações Populares: Entre A Dignidade Humana E O Humanismo Integral. In: ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba-PR. Ano X, n. 17, jul/dez-2017. ISSN 2175-7119.
para o “direito e a realidade fática da contemporaneidade, […] fundamentando uma concepção mais ampla de acesso à justiça”32. Em linhas gerais, afirma-se que a “justiça participativa tem por objetivo o engajamento das pessoas no processo de desenvolvimento da sua comunidade como sendo uma espécie de bem maior. Neste processo a falta de participação passa a caracterizar-se tão injusta”33. Trata-se de uma modalidade de justiça que “visa a despertar a obrigação de cada um em participar, de forma consciente e livre, fazendo, portanto, acontecer uma interação total e de maneira habitual na vida social a que pertence”34. A justiça participativa tem a missão de garantir:

[…] sobrevivência, a democracia e o progresso evolutivo da sociedade humana. Justiça participativa e cidadania andam juntas. As duas se completam mutuamente, atuam juntas, espalham vida e dão-se apoios. Juntam as mãos na caminhada da harmonia, da solidariedade das nações e da paz. Isto porque, as relações entre as pessoas e os povos não podem ser determinadas pelo medo, mas pela participação, pois a justiça participativa é capaz de conduzir os seres humanos a uma concepção honesta e múltipla, donde poderão nascer muitos benefícios materiais e espirituais, apontando para uma sociedade justa e fraterna.35

Dentro do debate em torno da justiça participativa emerge a indagação sobre quem, ou seja, quais os atores sociais podem participar? Dentro dessa discussão, afirmase:

Afinal quem deve participar? Todos que vivem na sociedade, ou seja, o cidadão, aquele que tem direito a ter direitos, como por exemplo, a ter um salário justo, poder respirar um ar puro etc. Mas também o cidadão tem obrigações por estar vivendo numa sociedade. Uma delas é a de participar, construindo novos relacionamentos com o objetivo de superar a “cultura do ter”, própria do individualismo, e implantar a “cultura do dar”, característica do solidarismo. A não participação do cidadão, na condução da sociedade, é passível de ser considerada uma atitude de injustiça.36

A participação social, dentro do debate sobre a justiça participativa, está vinculada com um amplo legue de atores e de espaços sociais. São espaços que vão desde a rua e o bairro onde reside o cidadão, passando por espaços que podem ser classificados como

32
RAMIRO, Caio Henrique Lopes. Acesso à justiça: elementos para uma reflexão sobre a justiça participativa. In: Em Tempo, Marília, v. 8, set., 2009, p. 49. 33 POZZOLI, Lafayette; RAMIRO, Caio Henrique Lopes. Conceitos de Justiça Participativa. In: RIPE, Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, v. 40, 2007, p. 159. 34 POZZOLI, Lafayette; RAMIRO, Caio Henrique Lopes. Conceitos de Justiça Participativa. op. cit., p. 156. 35 POZZOLI, Lafayette; RAMIRO, Caio Henrique Lopes. Conceitos de Justiça Participativa. op. cit., p. 160. 36 POZZOLI, Lafayette; RAMIRO, Caio Henrique Lopes. Conceitos de Justiça Participativa. op. cit., p. 158-159.
SANTOS, Ivanaldo e POZZOLI, Lafayette. O Direito Participativo E As Manifestações Populares: Entre A Dignidade Humana E O Humanismo Integral. In: ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba-PR. Ano X, n. 17, jul/dez-2017. ISSN 2175-7119.
clássicos, ou seja, espaços que tradicionalmente acolhem as reivindicações de participação social do cidadão, como, por exemplo, o sindicato, a associação, o clube e a Organização Não Governamental (ONG); até culminar em espaços onde existe uma grande adesão identitária por parte do cidadão, espaços como: o templo religioso, o time de futebol, os espaços de lazer, a praia, o clube social e muitos outros. No entanto, como demonstra Fernando Grella37, toda forma de participação social cidadã é bem-vinda e deve ser estimulada pelas diversas estruturas que compõem a sociedade. No entanto, a participação social deve ocorrer sempre dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal e, na sequência, pelas demais leis ordinárias e também ser pacifica e manter a ordem social. Atos sociais violentos, promovidos por vândalos e que destroem instalações públicas e impedem o livre transito do cidadão, mesmo que travestidos com um discurso que envolve a cidadania, ferem a dignidade da pessoa humana, ferem a garantia da livre e democrática participação social cidadã, uma participação garantida pela Constituição. Neste caso, cabe as forças de segurança pública evitar que o haja destruição de bens e do patrimônio público e que o cidadão tenha sua dignidade violentada por indivíduos imbuídos do espírito da violência e até mesmo da barbárie. Após a apresentação esquemática e didática dos quatro conceitos que norteiam o estudo, passa-se a discussão da relação entre o direito participativo e as manifestações populares norteada pelos conceitos de dignidade humana e de humanismo integral.

O direito participativo nas manifestações populares: entre a dignidade humana e o humanismo integral

A manifestação popular é garantida pela Constituição Federal brasileira e por uma ampla rede de teórica que constrói uma ligação entre o direito do cidadão de livremente se expressar no espaço público e a manifestação popular. De acordo com o direito participativo38, existe uma forte relação entre a manifestação popular, realizada por cidadãos no espaço público, e a dignidade da pessoa

37
GRELLA, Fernando. Legislação eleitoral. São Paulo: MPSP, 2012.
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POZZOLI, Lafayette; RAMIRO, Caio Henrique Lopes. Conceitos de Justiça Participativa. op. cit., 2007. RAMIRO, Caio Henrique Lopes. Acesso à justiça: elementos para uma reflexão sobre a justiça participativa. op. cit., 2009.
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humana. Existe uma mão dupla entre as duas posições conceituais e sociais. De um lado, a manifestação popular é um direito do cidadão e, por isso, tem por missão garantir a dignidade da pessoa humana. Do outro lado, toda e qualquer manifestação popular tem por primeira missão, por princípio central a garantia da dignidade da pessoa humana. Essa garantia deve ser assegurada tanto aos cidadãos que participam de uma manifestação como também dos cidadãos que, por razões diversas, não participam e não tomam parte da manifestação. Não se pode infringir ou violentar a dignidade da pessoa humana de um cidadão que, de forma livre e consciente, participa de uma manifestação, mas também não se pode violar a dignidade humana daqueles que livremente não participam dessa mesma manifestação. Além disso, dentro do debate contemporâneo entre a tríplice relação entre o direito, a democracia e a dignidade da pessoa humana39, e, ao mesmo tempo, como consequência desse debate, emerge a necessidade de se buscar um humanismo integral, da forma como é conceituado por Jaques Maritain. Contemporaneamente busca-se ver o ser humano como um todo integral (espiritual, artístico, poético, político, filosófico, que está inserido no mundo do trabalho e do lazer etc.). Essa busca pelo integral, pelo todo que compõe o ser humano, é atualmente incorporada pelo direito participativo. Além de garantir a manifestação e a dignidade da pessoa humana, o direito participativo busca integrar a garantia da manifestação popular a visão integral do ser humano. Para isso, o direito participativo busca assegurar que, de um lado, todos os indivíduos, grupos e correntes sociais (direita, esquerda, anarquista, grupos religiosos, grupos de poetas etc.) possam livremente expressar suas ideias dentro do espaço público. Do outro lado, é necessário que, alicerçado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, o cidadão possa livremente expressão o conjunto integral de suas ideias e valores ético-morais, valores religiosos, poéticos, filosóficos, políticos e de outras naturezas. O espaço público não pode não pode estar preso ou limitado a apenas uma ideologia, a apenas um partido ou grupo político, a apenas uma estrutura de pensamento. O espaço público e a dimensão da manifestação popular, a dimensão da reivindicação cidadã, devem estarem ligadas a todas as dimensões da vida humana, a integralidade da
39 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. In: Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 12, n. 96, fev. maio, 2010a, p. 5-43. BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação. Brasília, mimeografado, dezembro, 2010b, p. 1-39.
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espécie humana. Ao mesmo tempo que deve haver, no espaço público, a predominância da humanidade integral, idealizada por Jaques Maritain, não se deve permitir que um conjunto de indivíduos ou alguma organização social-ideológica possa impedir que os demais grupos exponham suas ideias e valores. O espaço público, assim como a própria vida humana, tem que ser plural, integral e aberto as múltiplas dimensões da humanidade. Fundamentado nessa discussão, o direito participativo deve, de um lado, garantir a livre e plena expressão de ideias no espaço público, mas, do outro lado, deve coibir que grupos sociais ou indivíduos, utilizando de métodos e argumentos diversos, possam monopolizar o espaço público e, com isso, promover a violência, o vandalismo, a destruição do patrimônio público e até mesmo a barbárie. Por isso, dentro da discussão sobre direito participativo e manifestação popular é necessário não confundir democracia com baderna, caos ou barbárie. Além disso, deve haver a consciência que, exatamente pelo ser humano ser integral, é necessário que o direito participativo e as manifestações populares estejam abertos ao aperfeiçoamento da vida social, as novas e até mesmo velhas reivindicações socioculturais. Para poder garantir a dignidade da pessoa humana o direito participativo deve está aberto as mudanças sociais (redes sociais, globalização etc.), as reivindicações clássicas vindas da população (garantia da família, garantia da vida, do emprego etc.) e outras formas de participação social. O direito participativo deve ter a consciência que, desde os gregos antigos, existem espaços de reivindicação social e que, desde a antiguidade, esse direito vem passando por um processo de aperfeiçoamento e ampliação rumo ao ser humano integral. Por exemplo, na experiência da democracia na Grécia antiga bastava que cinquenta por cento mais um para que fosse decidido, entre outras cosias, que pisar na cabeça dos outros quarenta e nove era juto. Isto era tipo por democrático. Nos dias atuais proceder assim não é mais válido. Por isso, temos que pensar uma justiça participativa, que foi instaurada, no Brasil, na Constituição de 1998, que dê voz a vez aos diversos segmentos na sociedade, tanto as minorias legais (índios, pessoas com necessidades especiais etc.) como as minorias nominais (homens, grupos religiosos etc.). Além disso, dentro de uma perspectiva da humanidade integral, vê-se que, desde a antiguidade, uma série de grupos sociais que, por razões diversas, tinham pouco acesso aos espaços de
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participação sócias, hoje estão mais integrados dentro desses espaços. É o caso, por exemplo, dos índios, negros, grupos étnicos e linguísticos. Ao contrário de outras formas do direito (direito penal etc.), o direito participativo precisa contar com o apoio, de forma mais branda, do Estado e, de forma mais forte, do cidadão e da sociedade civil. O diálogo e o trabalho conjunto entre o Estado, o cidadão e a sociedade civil levará ao aperfeiçoamento do direito participativo, a manifestação popular, a dignidade da pessoa humana e o ser humano integral.

Conclusão

A sociedade contemporânea passa por profundas mudanças no campo social, econômico, político, cultural e até mesmo dentro do chamado mundo virtual. Todo esse complexo campo de mudanças obriga a vários operadores sociais e do Estado a se repensarem e se reposicionarem. Uma das formas mais audaciosas de reposicionamento é passar a perceber o ser humano, como propõe Jaques Maritain, como uma ampla totalidade integral. Por sua vez, esse reposicionamento conduz a ampliar e resguardar o princípio da dignidade humana, o direito participativo e, por conseguinte, a participação em manifestações populares. Ao resguardar essa tríade, o direito e outras estruturas sociais estão, de um lado, garantindo que os cidadãos, independente de posições políticas e ideológicas, terão livre acesso ao espaço público e, com isso, poderão expressar livremente suas reivindicações. Do outro lado, como demonstra o humanismo integral de Jaques Maritain, o ser humano é múltiplo e integral. Por isso, para se resguardar a multiplicidade da dignidade da pessoa humana, é necessário que o direito participativo e as manifestações populares integrem em seu interior toda forma de luta, de reivindicação e de solicitação cidadã. Solicitações que vão desde o direito à livre associação, passando pelo direito a religião e a poesia até chegar as complexas reivindicações políticas e constitucionais. Por fim, afirma-se que, dentro de um quadro de mudança social e de reposicionamento do Estado, é preciso que o direito participativo, cada vez mais, se aproxime do cidadão e da sociedade civil. Essa aproximação conduzirá tanto ao Estado como a própria sociedade civil a integrarem as diversas facetas do ser humano e, de imediato, haver uma maior valorização e absorção das diversas lutas e reivindicações da
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humanidade dentro das manifestações populares. No entanto, essas manifestações devem sempre ser realizadas dentro da ordem, da pacificação e da valorização da dignidade da pessoa humana e, por isso mesmo, nunca acontecerem dentro do espírito de caos, de violência e de barbárie. Referências

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